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Diário do Nuno

Arquivo:  
2008-03-19
00:36
Também foi curioso notar que desta vez tive menos paciência para algumas coisas da cultura nepalesa. Por exemplo, uma refeição em casa de uma família nepalesa é sempre mais ou menos assim: começo por avisar que a comer sou como um passarinho e pedir que não me metam muito arroz. Riem-se e enchem-me o prato ignorando tranquilamente o meu pedido. No Nepal é falta de educação deixar comida no prato. Começo a comer e ao mesmo tempo vou-me queixando de quão difícil será para mim conseguir comer aquilo tudo. Riem-se e dizem-me para comer devagarinho. Lá vou comendo devagar. Quando começo a ver o fim ao prato acontece o inevitável: perguntam-me se quero mais arroz. Digo imediatamente que não, sabendo no entanto que é apenas uma pergunta retórica. Pegam no pote do arroz e à mesma metem-me mais arroz no prato. No Nepal é falta de educação não repetir. Fica o prato cheio outra vez. Irrito-me por dentro e lá vou comendo devagar e engolindo o arroz a custo com um sorriso amarelo. E eles a rirem das minhas dificuldades. Como se tivesse muita graça. Quando finalmente acabo eu fico mal disposto e eles ficam contentes. E para ali fico com dor de barriga e a pensar como é possível esta gente estar tão habituada a seguir à risca os preceitos por que se regem sem os questionarem ao ponto de se tornarem insensíveis e quase me fazerem vomitar convencidos de que me estão a tratar muito bem.

São coisas como esta que me recordam constantemente o fosso gigante que existe entre mim e o povo nepalês. Mesmo com os meus amigos mais próximos e com quem consigo comunicar melhor, encontro amiúde problemas deste tipo. Tentar explicar-lhes determinadas coisas é como tentar comer pizza de atum com talheres de peixe. E vice-versa certamente.

Coisas como estar com pressa. Tinha acabado de dar uma aula sobre fotografia a alunos universitários de jornalismo a convite do director de uma faculdade. Era o meu último dia no Nepal e ainda me faltava fazer mil coisas e despedir-me de imensos amigos. No final da aula vou a sair da escola e cruzo-me com um professor que não conheço e que me diz para o seguir. Explico-lhe que estou cheio de pressa. Ele diz "ok, follow me" e obriga-me a segui-lo. Para não ser mal educado lá o sigo insistindo que estou com pressa. Ele diz que eu tenho de almoçar com ele e leva-me para a cantina. Explico-lhe novamente que estou com pressa, que é o meu último dia no Nepal e que tenho montes de coisas para fazer. Ele diz "ok, eat with me" e obriga-me a sentar-me com ele. Depois de muito insistir consigo evitar almoçar mas não consigo evitar beber um chá com ele. O chá demorou 10 minutos a chegar. Durante esse tempo ele pergunta-me coisas minhas e conta-me coisas dele. Eu chateado por estar ali contrariado; ele contente por eu estar ali e completamente insensível a como eu me pudesse estar a sentir. Como o chá não vinha insisti que me tinha mesmo de ir embora por estar com pressa. Ele responde "you have time! don't worry!" e eu penso para com os meus botões "ó meu caralho como é que tu podes ser tão egoísta?" enquanto sorrio. E lá chega o chá. Mais conversa de chacha enquanto o chá arrefece, lá se bebe o chá e lá consigo soltar-me dos tentáculos da autista etiqueta nepalesa.