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Diário do Nuno

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2010-01-30
12:28
Olá, Este blog acabou.
Mas eu não. Eu continuo. Depois de 9 anos decidi criar um novo blog que agora mora dentro da minha renovada página pessoal em:

http://nunogodinho.com.

Até já.

2009-08-01
10:42
No final de Junho fui a Stavanger, no sul da Noruega, visitar Preikestolen, um púlpito natural que sobressai da montanha a 604 metros de altitude em relação ao fjorde. É maravilhoso e aterrorizador como se pode ver pelas fotos aqui em baixo. Stavanger, a segunda maior cidade norueguesa é a mais rica visto ser ela o centro do petro-negócio. A cidade é tipo Aveiro, bonita e agradável e está cheia de vida agora que é verão.

Passámos a vida em esplanadas, a apanhar sol até às 21h bebendo copos de vinho branco a 8 euros cada um (a vida não é barata na Noruega). Esta foto da Kamila e de mim, tirada exactamente à meia noite, dá uma boa ideia do escuro que aqui (não) fica nesta altura do ano:

Midnight at Stavanger in June

Para visitar Preikestolen há que apanhar um ferry. Enganámos-nos no ferry e acidentalmente fizemos um maravilhoso passeio por Lysefjord, considerado um dos fjordes mais bonitos da Noruega. Neste passeio passámos mesmo por debaixo de Preikestolen e tivemos oportunidade de ver quão alto está:

Preikestolen seen from below

Preikestolen seen from below

No domingo apanhámos o ferry certo de Stavanger para Tau e depois o autocarro certo de Tau para um sítio onde começa a caminhada de duas horas que nos leva ao púlpito. E aqui está ele:

Preikestolen in Norway

Estar no púlpito é assustador. A medo, aproximei-me da beira e sentei-me com as pernas de fora. A paisagem circundante é tão bonita que, por momentos, me fez esquecer o medo de estar com 600 metros de ar debaixo dos pés.

My legs hanging from Preikestolen

É impossível estar ali sem estar alerta e sempre consciente da distância a que estamos da beira. Não há qualquer tipo de barreira de protecção nem altifalantes fanhosos a debitar "mind the gap" porque felizmente estamos na Noruega e não em países medrosos. Felizmente também, nunca houve acidentes e as únicas pessoas que saltam dali têm pára-quedas às costas. Mas custa a crer, sendo este local visitado por centenas de milhares de pessoas por ano.

My legs hanging from Preikestolen

2009-06-20
20:11
"Quando Gregor Samsa despertou uma manhã na sua cama de sonhos inquietos, viu-se metamorfoseado num monstruoso insecto " - Kafka em Metamorfose

Não me sinto monstruoso nem sequer estou parecido com um insecto. Ainda assim, o início do conto "Metamorfose" ilustra bem o que senti na manhã do dia 15 de Maio, quando despertei de sonhos quietos e vi que a metade direita da minha cara tinha deixado de responder à minha vontade. Em rigor não vi logo ao acordar porque não doeu. O choque deu-se quando cheguei ao espelho e constatei que uma das portadas do meu frontispício tinha fechado.

Seguiu-se o pânico. Que aquela estranha apatia estava já a alastrar para outras partes de mim era quase certo. Antevi-me hortaliça. Voei para as urgências do hospital e depois de uma hora de espera diagnosticaram-me uma paralisia facial, aquilo a que os médicos, quando falam uns com os outros, chamam de Paresia de Bell. Fiquei a saber que o meu cérebro não tinha coalhado e que a paralisia não ia alastrar. Fiquei também a saber que ela não mata, só mói. Os médicos, embora a conheçam de gingeira, dela pouco sabem dizer. Não conhecem a causa - virose? lufada de ar frio? - e tão pouco se entendem quanto à cura - agasalhar? fisioterapia? anti-inflamatório? acupunctura? simplesmente esperar? "Pelo sim pelo não, não apanhe vento frio, nunca se sabe" parece ser consensual. E é afinal tão comum: acontece a uma pessoa em cada 5000. 4999 pessoas podem já acordar descansadas: fui eu.

Quando voltei para casa a pé constatei que o olho estava a arder cada vez mais. Que eu não o conseguia fechar já sabia, mas não imaginava o que isso implicava. Não sendo peixe, preciso da pálpebra para manter o olho molhado. Sem piscadelas o olho ardia cada vez mais. Não bastava ter-me transformado numa versão ambulatória de uma daquelas máscaras gregas trágico-cómicas. Nos dias seguintes foi uma luta para manter fechado um olho que não queria fechar. Comparado com isso, ter meio sorriso é canja.

No segundo dia acordei um novo Nuno. Agora eu era assim, de cara entorpecida. E pensei: agora eu sou este, sou assim, de cara entorpecida. E fui. E fui indo. E começaram as descobertas. Nos primeiros dias foi o estranhamento. Cada expressão gera uma impressão, e eu tinha a forte consciência de, ao sorrir, exprimir não um sorriso mas um esgar cínico (um sorriso da Nike). Corrompia a intenção da expressão e assim distorcia a impressão. Era como se me visse de fora. E via. Via-me a ver-me. Via-os a ver-me. Revia-me a ver outros com expressões corrompidas e revivia a distorção da impressão que tinha tido desses outros. E assim se passaram os primeiros dias, dias muito confusos em que lá fui tentando reajustar o meu ser ao seu novo estar. Até que encontrei a pala.

Foi aí que tudo mudou. Quando meti pela primeira vez a pala de pirata senti uma força poderosa a reanimar-me. Com a pala encontrei o personagem que estava destinado a viver por mim esta aventura. Quando ele chegou, eu, o Nuno, saí de cena e tornei-me espectador. Por sua vez, ele, o Nunc, tomou conta da situação. Ter legitimidade para usar uma pala de pirata é um privilégio, uma oportunidade rara que, a saber aproveitar, tem imensas vantagens. É um direito que toca a poucos, e tocou-me a mim. Andar na rua de pala no olho é encarnar inúmeras personagens literárias fascinantes. É não ser já só eu, é ser um monte de gente que nunca existiu e que tem agora em mim uma oportunidade para existir. Pelo menos aos meus olhos. Aos meus e principalmente aos olhos das crianças. É através delas que posso dizer: Eu fui pirata. Juro.

Munido da pala, atirei-me destemido à emocionante vida social de pirata figurativo. Pautada, claro está, pela fisioterapia, a acupunctura e os incontáveis exercícios de meias-caretas ao espelho. Nunca antes me tinha olhado tanto ao espelho. No início foi frustrante fazer todos aqueles exercícios sem ver um único movimento no lado direito da cara. Mas já fora avisado que durante uns tempos seria assim. Até que um dia algo mexeu. Era a bochecha. Passados uns dias foi a sobrancelha, primeiro para cima, depois para a esquerda. Hoje ainda nem tudo mexe, mas vai mexer. Ainda não rio como o Joker mas já sorrio como a Mona Lisa e já fecho o olho mais que os peixes. Há que ter paciência, ser pertinaz e pedir "espelho meu, quando me dás três quartos de careta?". Os médicos reconfortaram-me com uma previsão rigorosa do tempo que demora a recuperar totalmente: "não sei, entre duas semanas e dois anos ou talvez nunca, não sei, não sei...".

Mas nem tudo são vantagens. Os obscuros efeitos nefastos das corrente de ar frio espreitam-me a cada esquina e há que evitá-los porque, mesmo que sem o saberem explicar, é este o único ponto em que tanto eso como exotéricos cantam em uníssono: "Nunc, evita o vento (pelo sim pelo não)". Logo agora que tiraram a tampa invernosa a esta panela que é a Noruega; logo agora que o céu já é azul e o sol já é brilhante; logo agora que o trotamundos que há em mim estava prestes a brotar e ia dar corda às botas de montanha e meter pilhas novas nos patins. A verdejante Noruega chama-me e eu respondo que ainda não, que ainda não posso, que ela é ventosa, mas que está quase, que já vou.

2009-05-23
18:18

Nós, os Vinhos&Petiscos, vamos fazer um concerto outra vez. Vamos fingir fazer como fingíamos que fazíamos em 1996. Se te lembras, vem recordar-te; se não te lembras vem traumatizar-se.

Na altura descrevemo-nos assim: "Este jovem e divertido grupo, criado há cerca de 2 anos, pretende ser uma experiência de união entre duas sonoridades até aqui independentes: O grito de acasalamento do pelicano e a música ligeira portuguesa. Embora não chegue a traumatizar, o seu espectáculo deixa marcas profundas de alegria. Ah, o pelicano era mentira."

Nós é o Jorge Costa, o Mico da Câmara Pereira, o Miguel Monteiro, o Nuno Godinho, o Rui Melo e o Tiago Montes.

Será já esta quarta-feira dia 27 de Maio pela meia-noite e pouco no Bar Xafarix que fica em Santos, na rua D. Carlos I nº69.

Vem!

2009-05-22
16:08
Este inverno na Noruega andei a aprender a voar! Olha aqui eu a voar. E aqui também. Devagarinho se vai ao longinho. A época de esqui já acabou, claro. Mas constou-me que há uma estância de esqui de verão que deve estar mesmo a abrir e fica apenas a 4 horas de Oslo. As estâncias norueguesas têm uma coisa boa em relação às estâncias onde já fui em Espanha, França e Andorra. É que aqui eles não estão muito preocupados em evitar que as pessoas se matem, o que é óptimo. Odeio quando me impedem de morrer.

2009-03-19
12:59
É com alguma surpresa que constato que o se está a tornar obsoleto. Ainda há pouco tempo era para aqui, para ali, e agora, de cada vez que uso um fica sempre a saber a pouco e, na maior parte dos casos, acaba substituído pelo que está muito mais na moda. É assustador ver que até os smileys são de modas

A última vez que me tinha manifestado sobre smileys aqui no blog foi em 2001-04-13 e na altura constatei que a China ia conquistar o mundo, baseado no facto de o nosso alfabeto se estar a transformar no deles, por estar a ser invadido por emoticons. Na altura ainda não lhes chamavam smileys. Em verdade, na altura eu tinha um weblog porque a palavra blog ainda não tinha sido inventada. Foi há tanto tempo, vejam só, que :) ainda se escrevia :-).

No entanto, por cima de tudo isto, constato que a comunicação de hoje é voraz: ela devora a linguagem. Tal como, por razões comerciais, os filmes de Hollywood se foram precipitando do decote para o soutien e do soutien para as mamas, a linguagem escrita, que até pouco se contentava com o ponto e a vírgula, hoje não encontra pontos de exclamação que lhe cheguem para conseguir que lhe dêem atenção e tem que recorrer de novo à bonecada que há milhares de anos atrás tinha conseguido substituir.

2009-03-08
12:53
Olá blog. Já há um ano que não nos vemos. Estás bom?

Eu estou. Moro em Oslo.

Estou cá a trabalhar faz agora dois meses e estou a gostar. Oslo é uma cidade que podia ser pior mas que também podia ser melhor. Os noruegueses... bem, não vou começar já a generalizar de forma precipitada sobre todo um povo porque corro o risco de ser injusto. Vou antes esperar pelo próximo parágrafo.

Cá estamos. Os noruegueses são simpáticos mas são estranhos. São estranhos em primeiro lugar porque dentro de cada norueguês habita um par de noruegueses que nunca se encontraram e por isso não se conhecem mas se se conhecessem não se dariam nada bem. Um deles, calmo e reservado, está presente maioritariamente durante o dia. É extremamente organizado, pontual e arruma à esquadria tudo aquilo de que se aproxima. O outro aparece mais frequentemente nas noites de fim-de-semana. É caracterizado por um hálito constante a álcool, falta de equilíbrio, pouca coordenação motora e uma propensão natural para a violência. Embora habitem ambos o mesmo corpo, ouviram falar um do outro apenas por terceiros.

Os noruegueses são ursos bipolares.

Bem, em verdade até agora não tenho razões de queixa dos que já conheci. Não são nada ursos, mas não resisti a fazer esta piada.

Eu não sou hobofóbico, mas estes gajos abusam. São uns bêbedos. É, aliás, uma característica comum a toda a Escandinávia. Ao fim-de-semana à noite os bares fecham às 3h da manhã. De repente, a essa hora, as ruas enchem-se de bêbedos. Não como em Portugal em que talvez haja 1 bêbedo em cada 10 pessoas. Aqui toda a gente, praticamente sem excepção, está a cair para o lado. Uns encostados às paredes a vomitar, outros a cambalear em ziguezague pelos passeios; eles aos berros tipo trolls e elas tipo artistas de circo a tentarem equilibrar-se em cima das suas andas de 10cm acabando muitas vezes estateladas ao comprido na neve. Enquanto um português bebe por se divertir, um norueguês divertem-se por beber. É uma visão deprimente, quase apocalíptica, que lembra aqueles filmes de zombies com dezenas de mortos-vivos a babar e a arrastarem-se sem rumo em direcção ao juízo final.

O engraçado é que as lojas não podem vender álcool depois das 20h. E ao fim-de-semana é depois das 18h. Eu disse engraçado? Não é engraçado, é estúpido, absurdo e irritante. Que os noruegueses são uns bêbedos não é novidade nenhuma. O que eu não sabia é que são também uns grandes hipócritas em relação a isso. Um povo obsessivo com a mortificação etílica do corpo que no entanto se compraz com estas leis impostoras que não só não resolvem o problema como me impediram de ontem ter um par de cervejas para oferecer aos amigos que convidei para jantar. Faz lembrar Genève que evita noticiar os vários crimes e assassinatos que lá se dão para continuar com fama de ser uma das cidades mais seguras do mundo.

Lá fora neva. Como este inverno, diz-se por aqui, já não se via há uns anos. Nevou que se fartou, que é o que se quer. Está tudo muito contente com o São Pedro. Duas semanas atrás fazia frio a sério: -15ºC. Agora estão 0ºC, o que, parecendo frio para os padrões portugueses, não mata ninguém e até tem o seu encanto.

O frio no norte da Europa é menos frio que o frio de Portugal. Aos meus amigos que se julgam incapazes de sobreviver a um inverno aqui no norte tento explicar que sinto mais frio com os 11ºC do inverno português do que aqui mas nenhum me acredita. Se é da humidade, se é do vento ou se é da minha falta de jeito a agasalhar-me em Portugal, não sei. Além disso, contando já com mais de 2 anos de vida na Letónia, Suíça e Noruega, nunca caí doente. Já em Portugal...

Oslo é uma das únicas duas cidades do mundo em que se pode ir fazer esqui de metro. A outra é Vancouver e agora não é para aqui chamada. É verdade: apanho o metro a 300 metros daqui, saio em Voksenkollen e estou numa estância de esqui. É muito curioso ver dezenas e dezenas de pessoas de esquis em riste à espera do metro que as levará ao deslizante prazer das montanhas. A estância (http://www.tryvann.no/) não é nada de extraordinário, mas a cavalo-de-ferro dado não se olha o dente. Um pouco mais longe, a 2h de Oslo, fica outra estância mais decente que pretendo visitar num dos próximos fins-de-semana.

Também estou a planear ir ver uma Aurora Borealis. Tenho este sonho há anos e agora estou aqui mesmo ao lado. O complicado é ter de se voar até ao norte da Noruega para as ver e só serem visíveis quando está frio e o céu limpo. O frio não é difícil de conseguir, mais o céu limpo é. Ainda assim, Março é um dos melhores meses para as ver. Blog, deseja-me boa sorte!

2008-07-01
15:45
«The way GarageBand works, the process of personalizing music is highly regimented--that is, depersonalized. For each creative decision involved in customizing a track, the software provides a handy drop-down menu of options. What kind of guitar sound would you like, "Arena Rock" or "Glam" or "Clean Jazz"? What sort of vocals, "Female Basic" or "Epic Diva"? The system transforms music-making into shopping, and it provides the same illusion of individual expression that we find in the mall. Now we can make our sound in the same way we create our own look--by mixing and matching a handful of items from the racks of the same stores that everyone else in America is choosing from. After all, what does "Clean Jazz" mean, other than "Banana Republic"?» por David Hajdu no The New Republic, aqui.

2008-06-28
23:59
Na sexta-feira dia 4 de Julho pelas 18h (ou será 18h30?) vai estar em exibição na Escola Superior de Dança alguns vídeos e instalações resultantes de um exercício feito entre alunos do ArCo e da Escola Superior de Dança. Eu vou participar. Quem quiser aparecer é bem-vindo. A Escola Superior de Dança fica aqui, na Rua do Século muito perto do bar O Século e a exposição acontecerá nas catacumbas.

23:05
«To bear even the sting of an insect for all eternity would be a dreadful torment. What must it ben, then, to bear the manifold tortures of hell for ever? For ever! For all eternity! Not for a year or for an age but for ever. Try to imagine the awful meaning of this. You have often seen the sand on the seashore. How fine are its tiny grains! And how many of those tiny little grains go to make up the small handful which a child grasps in its play. Now imagine a mountain of that sand, a million miles high, reaching for the earth to the farthest heavens, and a million miles broad, extending to remotest space, and a million miles in thickness: and imagine such an emormous mass of countless particles of sand multiplied as often as there are leaves in the forest, drops of water in the mighty ocean, feathers on birds, scales on fish, hairs on animals, antoms in the vast expense of the air: and imagine that at the end of every million years a little bird came to that mountain and carried away in its beak a tiny grain of that sand. How many millions upon millions of centuries would pass before that bird had carried away even a square foot of that mountain, how many eons upon eons of ages before it had carried away all. Yet at the end of that immense stretch of time not even one instant of eternity could be said to have ended. At the end of those billions and trillions of years eternity would have scarcely begun. And if that mountain rose again after it had been all carried away and if the bird came again and carried it all away again grain by grain: and if it so rose and sank as many times as there are stars in the sky, atoms in the air, drops of water in the sea, leaves on the trees, feathers upon birds, scales upon fish, hairs upon animals, at the end of all those innumerable risings and sinkings of that immensurably vast mountain not one single instant of eternity could be said to have ended; even then, at the end of such a period, after that eon of time the mere thought of what makes our very brain reel dizzily, eternity would have scarcely begun.» - A Portrait Of The Artist As A Young Man por James Joyce.

2008-03-22
23:31
Shiva in Elephanta Island, Mumbai, India

Estátua de Shiva na Ilha Elefanta em Mumbai.

02:28
Como o meu plano inicial era ter passado a maior parte do tempo em Mumbai e no sul da Índia, o meu avião de regresso partia de Mumbai. Mas no dia em que saí do Nepal já só faltavam 4 dias para o final da viagem. Demorei 1 dia a voar de Kathmandu para Mumbai, fazendo escala em Delhi, por isso sobraram-me 3 dias em Mumbai. Quando lá cheguei ia já com a sensação de que a viagem tinha terminado e estava sem grande espírito para visitar Mumbai. Mas na viagem de táxi do aeroporto para Colaba - a zona turística de South Mumbai - mudei rapidamente de opinião. Apaixonei-me pela cidade. Mumbai é uma mistura entre Londres e o Rio de Janeiro e é uma loucura. Durante 3 dias delirei com tudo o que vi e vivi e quero lá voltar: comida saborosa, vida nocturna emocionante, montes de coisas para visitar e aquele ambiente fascinante que se vê nos filmes de bollywood.

Só é pena que Mumbai seja tão mais caro que o resto da Índia. Enquanto em Rishikesh os quartos de hotel mais caros custavam 9 euros, em Mumbai foi o mínimo que consegui pagar por uma espelunca de 2 metros quadrados (sim, eu medi) onde praticamente não me conseguia esticar e com baratas a trepar pelas paredes.

O meu quarto de hotel era tão pequeno que não tinha nenhum sítio onde pousar as minhas coisas. Mas tinha uma televisão. Que não funcionava, claro. Então tive a ideia de lhes pedir que tirassem a televisão do meu quarto para poder pousar coisas na prateleira onde ela estava. Primeiro não queriam, mas lá insisti e acederam. Quando a tiraram ouvi uns estrangeiros no quarto ao lado a explicarem que não queriam outra televisão, que já tinham uma. Tiveram de insistir bastante mas acho que conseguiram. Matei-me a rir sozinho. No dia seguinte por coincidência ao passar na recepção ouvi os hóspedes de outro quarto agradecerem a televisão extra com o tom mais irónico do mundo. Tornei a rir. O rapaz da recepção piscou-me o olho e riu-se também.

2008-03-19
00:36
Também foi curioso notar que desta vez tive menos paciência para algumas coisas da cultura nepalesa. Por exemplo, uma refeição em casa de uma família nepalesa é sempre mais ou menos assim: começo por avisar que a comer sou como um passarinho e pedir que não me metam muito arroz. Riem-se e enchem-me o prato ignorando tranquilamente o meu pedido. No Nepal é falta de educação deixar comida no prato. Começo a comer e ao mesmo tempo vou-me queixando de quão difícil será para mim conseguir comer aquilo tudo. Riem-se e dizem-me para comer devagarinho. Lá vou comendo devagar. Quando começo a ver o fim ao prato acontece o inevitável: perguntam-me se quero mais arroz. Digo imediatamente que não, sabendo no entanto que é apenas uma pergunta retórica. Pegam no pote do arroz e à mesma metem-me mais arroz no prato. No Nepal é falta de educação não repetir. Fica o prato cheio outra vez. Irrito-me por dentro e lá vou comendo devagar e engolindo o arroz a custo com um sorriso amarelo. E eles a rirem das minhas dificuldades. Como se tivesse muita graça. Quando finalmente acabo eu fico mal disposto e eles ficam contentes. E para ali fico com dor de barriga e a pensar como é possível esta gente estar tão habituada a seguir à risca os preceitos por que se regem sem os questionarem ao ponto de se tornarem insensíveis e quase me fazerem vomitar convencidos de que me estão a tratar muito bem.

São coisas como esta que me recordam constantemente o fosso gigante que existe entre mim e o povo nepalês. Mesmo com os meus amigos mais próximos e com quem consigo comunicar melhor, encontro amiúde problemas deste tipo. Tentar explicar-lhes determinadas coisas é como tentar comer pizza de atum com talheres de peixe. E vice-versa certamente.

Coisas como estar com pressa. Tinha acabado de dar uma aula sobre fotografia a alunos universitários de jornalismo a convite do director de uma faculdade. Era o meu último dia no Nepal e ainda me faltava fazer mil coisas e despedir-me de imensos amigos. No final da aula vou a sair da escola e cruzo-me com um professor que não conheço e que me diz para o seguir. Explico-lhe que estou cheio de pressa. Ele diz "ok, follow me" e obriga-me a segui-lo. Para não ser mal educado lá o sigo insistindo que estou com pressa. Ele diz que eu tenho de almoçar com ele e leva-me para a cantina. Explico-lhe novamente que estou com pressa, que é o meu último dia no Nepal e que tenho montes de coisas para fazer. Ele diz "ok, eat with me" e obriga-me a sentar-me com ele. Depois de muito insistir consigo evitar almoçar mas não consigo evitar beber um chá com ele. O chá demorou 10 minutos a chegar. Durante esse tempo ele pergunta-me coisas minhas e conta-me coisas dele. Eu chateado por estar ali contrariado; ele contente por eu estar ali e completamente insensível a como eu me pudesse estar a sentir. Como o chá não vinha insisti que me tinha mesmo de ir embora por estar com pressa. Ele responde "you have time! don't worry!" e eu penso para com os meus botões "ó meu caralho como é que tu podes ser tão egoísta?" enquanto sorrio. E lá chega o chá. Mais conversa de chacha enquanto o chá arrefece, lá se bebe o chá e lá consigo soltar-me dos tentáculos da autista etiqueta nepalesa.

2008-03-18
21:43
Blog, voltei.

Não sei porque é que fui embora. Quer dizer, sei. Quando cheguei ao Nepal aquilo foi uma correria de um lado para o outro e não tive tempo para me sentar naqueles cyber-cafes manhosos onde os teclados sofrem todos de artrite. Entretanto já muito aconteceu e já estou em Portugal há mais de 3 semanas.

Rever a minha aldeia foi bom. Foi bom tanto pelo que foi bom como pelo que foi mau. Nunca concordei muito com quem diz "nunca voltes onde foste feliz". Claro que desta vez só fui visitar por uns dias, não fiquei lá a morar, e como tal não caí na tentação de comparar alhos e bugalhos. Embora quase tudo esteja na mesma, algumas coisas mudaram. As mudanças que achei mais interessantes foram as relacionadas com a tradição hindu. Aparentemente, na minha casa, uma série de regras rigorosas de higiene religiosa deixaram de ser observadas. Por exemplo, já se podia entrar calçado na cozinha, algo impensável há 4 anos atrás. Penso que isto se deve não ao avanço da hegemonia cultural ocidental mas sim ao facto de a minha mãe nepalesa estar um bocado doente e por isso é agora o meu pai nepalês - um homem mais prafrentex - quem assume o comando das operações familiares. Outra curiosa inovação: o meu pai, sempre à frente (não estou a ironizar) construiu em cimento uma pequena casa para tomar banho. A nossa casa já era a única da aldeia com divisões interiores e por isso com um quarto de hóspedes. Agora é ainda mais única por sermos os únicos a poder tomar banho com privacidade e portanto sem ter de ter um pano à volta do corpo. De resto estava tudo (ainda bem) na mesma: as pessoas a cultivar os campos e os campos a serem cultivados pelas pessoas. O ambiente da aldeia estava também mais calmo porque há menos crianças que há 4 anos atrás por uma boa parte delas ter crescido e ter ido estudar para Kathmandu, inclusive o meu irmão Manish.

Foi bom rever o Manish, o meu irmão nepalês. Está um homenzinho com 17 anos. Estuda na melhor universidade de Kathmandu, a Golden Gate International College. Fui lá visitá-lo e passeámos muito juntos. Um dos dias eu pedi à universidade para o deixarem sair por uma noite e ficou comigo no meu hotel. Fomos sair a um bar. Foi a primeira vez que ele foi a um bar, ao Sam's Bar, que é um dos meus bares preferidos de Kathmandu. Adorou, claro.

2008-02-09
05:10
Fotos de Varanasi:

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Os Ghats com o ceu encoberto.

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Mais Ghats com o ceu encoberto.

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Ainda mais Ghats. Aqui da' para ver que continuam ate' perder de vista.

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E' muito comum ver pessoas a meditar junto ao rio.

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Em Varanasi fizeram-me a barba pela primeira vez na minha vida. Eu paguei 0.60 euros mas dizem que fui enganado, que o normal e' 0.20 euros. Da' direito a vigorosa massagem na cabeca e tudo.

India - The Classic Cutting Hair Style
The Classic Cutting Hair Style.

04:38
Elejo o aeroporto de Varanasi como o mais imbecil que conheco. Demoraram mais de 2 horas a fazer o check-in dos passageiros do voo para Kathmandu. Passaram as malas no raio-x e tornaram a da-las 'as pessoas, que e' o mesmo que dizer que mais valia nao terem feito nada. Revistaram-me 2 vezes, revistaram a minha mala de mao 2 vezes, perguntaram mil coisas parvas, parecia uma gincana. Ja' nao podia com os gajos. Fiquei com a sensacao que naquele aeroporto a partida de um aviao e' uma coisa excepcional. 'As vezes e' preciso muita paciencia para aturar a India.

04:28
A primeira vez que vim ao Nepal foi perto das moncoes e por isso havia muito pouca visibilidade no ar. Como tal, os Himalaias nao se viam ao longe. Agora o ceu esta' limpido e em Kathmandu basta subir ao terraco de um predio para ver uma serie de picos cheios de neve. E' uma sensacao muito especial ter o tecto do mundo mesmo ali, a proteger-nos.

04:24
Malaai ekdam kuchi lagyo! Para minha grande surpresa ainda consigo falar nepales. Nao sei como. E palavras que julgava esquecidas aparecem-me na ponta da lingua vindas nao sei de onde. Tinha esquecido muitas no entanto. Tinha esquecido "esquerda" (baya) e "direita" (daya) por exemplo, que fazem tanta falta. Nao esqueci "amor" (maya) que nao faz falta nenhuma porque arranjar uma nepalesa sem casar nao anda longe do impossivel.

04:13
Em 4 anos o Nepal mudou bastante. Mais do que eu esperava. Ha' mais predios mais altos, muito mais lojas e reclames luminosos, as miudas estao mais sexy e vestem mais jeans e menos roupa tradicional e veem-se mais namorados na rua. Muito mais mudou mas nao vou fazer uma lista porque quero ir apanhar o autocarro para Benighat.

04:12
Estou no Nepal, o meu pais favorito a seguir a Portugal (se houvesse mar no Nepal entao seria perfeito). Depois de alguns dias em Kathmandu vou visitar a aldeia onde ha' 4 anos atras vivi durante 2 meses como voluntario ensinando ingles 'as criancas. Lamentavelmente so' la' ficarei 5 dias porque a minha viagem esta' quase a chegar ao fim...

2008-02-01
08:44
Fotos de Rishikesh:

Laxman Jhula
Laxman Jhula, perto de Rishikesh. Foi aqui que fiquei. Esta era a vista do meu quarto. La' esta' o Ganges em toda a sua gloria.

Shiva under construction
Os indianos, habituados 'a confusao, dao menos importancia ao aspecto das coisas. Era aqui, de fronte desta estatua de Shiva, no meio de obras, que todos os dias 'as 18h30 se executava a cerimonia de adormecer o Ganges.

Walking by the Ganges
Passeio 'a beira rio.

Satsang do Prembaba em Rishikesh
Eis o Prembaba, o tal guru brasileiro de que tanto gostei.

IMG_0393
Este senhor passa ali os dias as ler escrituras.

08:31
Finalmente algumas fotos. Foi precisa muita paciencia para fazer upload delas pois a Internet aqui e' muito lenta. Lamento que as fotos nao sejam melhores. Estao como vieram ao mundo pois se ve-las ja' e' uma aventura nem imagino o que seria edita-las. Mas ca' estao. Estas sao de Delhi:

Old Delhi
Old Delhi. Por acaso nesta ate' esta' bastante calmo e com pouca gente.

IMG_0053
Jama Masjid, a principal mesquita de Delhi. Muito famosa. A foto foi tirada a partir de um dos seus minaretes.

Rickshaw pushing rickshaw em Delhi
Os condutores dos dois rickshaws eram amigos. Um dos rickshaws nao funcionava entao o meu rickshaw la' foi empurrando o outro com o pe' atraves da cidade. Iamos todos a ri-nos daquilo.

Muslim pattern in Delhi mosque
Os padroes arabicos sao lindos e estao por todo o lado em Delhi.

IMG_0295
O mausoleu de Humayun. Humayun foi um rei Mogul muito poderoso. Caiu das escadas e magoou-se, acabando por morrer. Este e' o seu mausoleu que foi bastante inovador para a altura e serviu de inspiracao para o famoso Taj Mahal. Parecido, nao?

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Um sitio dentro do famoso Forte Vermelho onde o rei Humayun fazia recepcoes. Todos estes espacos eram decorados com panos e tapetes e luzes e etc por isso, embora bonitos, sao apenas uma sombra do que foram. E' muito dificil imaginar quao sumptuoso isto deve ter sido.

IMG_0331
Por todo o lado ha' mesquitas e mausoleus e outros monumentos muculmanos. Muitos deles em muito mau estado.

08:14
Depois da experiencia de ontem 'a noite no crematorio tudo parece banal, mas ha' mais coisas em Varanasi que merecem referencia. Nomeadamente o templo dourado, o principal templo hindu da cidade, que ostenta uma cupula com 800Kg de ouro. Infelizmente, devido a ameacas terroristas, esta' rodeado por um intenso sistema de seguranca com centenas de policias armados. Outro templo a nao perder e ' templo de Durga, um lugar profundamente espiritual onde apetece sentar e esquecer. Quero ir la' outra vez.

07:02
Em Varanasi ha' 2 casas crematorias junto ao rio Ganges. Chamam-lhes "burning ghats". Ja' tinha visitado um deles durante o dia. Ontem, depois de assistir 'a puja de adormecer o Ganges (cerimonia religiosa que acontece diariamente ao final da tarde), decidi visitar o outro que e' o mais importante. Comigo estavam o Durguesh e o Ishan, sobrinhos do Rohit. Ao visitar o primeiro crematorio tinha ja' visto os corpos a serem cremados com pernas de fora e tudo. Achei interessante mas nao fiquei impressionado, por isso nao dei grande importancia a visitar o segundo e nao estava preparado para o que aconteceu.

Era noite. Ao chegar perto do ghat, diversas fogueiras enormes e luminosas. Decidi tirar uma foto. No momento em que tiro a foto aparecem uns 6 ou 7 rapazes que, de forma agressiva me comecam a dizer que era proibido tirar fotos ali, que era mau para o karma e que alem disso agora ia para a prisao e ia pagar uma multa gigantesca, em suma, que estava tramado. Aproximei-me dos meus amigos que tambem ficaram confusos com a situacao. Os tais rapazes cada vez mais agressivos e eu cada vez mais assustado por achar que me iam roubar a maquina fotografica. Tentei falar com eles mas berravam comigo dizendo "don't try to be a smart tourist". Disseram-me que tinha de ir com eles, que me iam levar a umas senhoras que iam resolver o meu problema. Estava muito escuro e eu nao entendia nada do que se estava a passar. Os meus amigos estavam tambem com medo. Decidi entao tornar-me amigo deles. Perguntei-lhes porque estavam a ser agressivos e expliquei que estava baralhado, que queria cooperar mas que nao entendia nada porque estavam a ser agressivos. Entao o chefe deles mudou de atitude e tornou-se amigavel. Explicou-me que as senhoras que me iam resolver o problema eram umas velhinhas que estavam ali numa casa 'a espera de morrer e que eu tinha de as visitar e dar-lhes um donativo e ser abencoado por elas para me livrar do mau karma de ter tirado uma fotografia ali. Ainda convencido de que me iam roubar a camara disse "ah! podiam ter dito logo! claro que eu as quero ajudar!" (e e' verdade que teria todo o gosto em lhes dar um donativo). Sem ter outra alternativa, fui atras deles.

Mandaram-me entrar num predio muito escuro que ficava mesmo por cima das fogueiras. Subi umas escadas sem luz, 'a espera do momento em que me iam roubar. Entrei numa sala igualmente escura e, para meu alivio e surpresa, apontaram com uma lanterna e la' estavam duas mulheres sentadas a um canto, na total escuridao, 'a espera da morte. Fiquei muito impressionado. Disseram que tinha de lhes dar 10 mil rupias (200 euros). Sem saber quantas mulheres la' estavam e imaginando que me iam obrigar a dar um donativo a cada uma dei apenas 10 rupias 'a primeira. Eles zangaram-se, levaram-me para o pe' da janela e explicaram-me que 10 rupias era um insulto, que nao serviam para nada, que eu devia dar pelo menos 500. 'As tantas eles disseram: se nao quiseres dar nao des nada, podes ir embora e sofrer as consequencias. Nessa altura estavam menos agressivos e eu comecei a perceber que, embora estivesse a ser manipulado e estivessem a mentir em relacao aos valores e 'as consequencias de tirar uma foto, era verdade que o donativo era para as senhoras. Voltei para o pe' de uma senhora e dei-lhe 100 rupias e ela deu-me a bencao tocando-me na cabeca. Eles ficaram muito satisfeitos, agradeceram-me e ajudaram-me a sair de volta para a rua. Aconteceu tudo muito rapido. O breu total e o insolito ambiente - que tinha tanto de maravilhoso quanto de assustador - tornaram toda aquela situacao muito intensa.

Ao sair tomei consciencia de onde estava: 'a minha volta pilhas e pilhas de madeira para cremar. Em vez de voltar pelo caminho de onde tinha vindo, entrei pelo meio das pilhas de madeira e vi-me rodeado por uma autentica fabrica. Num frenesim, dezenas de pessoas passavam apressadas de um lado para o outro carregando madeira. Aproximei-me de uma varanda e foi ai que me confrontei com uma das imagens mais marcantes da minha vida. A poucos metros de mim 6 fogueiras ardiam intensamente. 'A volta de cada fogueira varias pessoas velavam cada corpo e tratavam das fogueiras. A cada 5 minutos um grupo de 8 pessoas apareciam carregando mais um corpo envolvido em panos dourados para ser cremado. O fumo de todas aquelas fogueiras trazia um inevitavel cheiro a carne assada. Este ambiente era o completo oposto dos nossos pacificos e silenciosos cemiterios e, no entanto, perante tal intensidade e beleza e com os sentidos todos saturados, eu senti uma tranquilidade impar.

Passado um bocado fui embora, ainda meio abananado com tudo o que aconteceu. Entrei com o Durgesh e o Ishan pelo meio das estreitas ruas da cidade velha. De alguns em alguns metros tinhamos que nos encostar 'a parede para deixar passar mais um corpo carregado por um grupo de homens que desciam para o rio. Os meus amigos avisaram-me para nunca tocar nos corpos que passam pois e' algo muito grave. 'A medida que nos fomos afastando fui lentamente regressando ao mundo dos vivos. Nunca vou esquecer este momento que foi um dos mais intensos e maravilhosos da minha vida.

Depois, ja' em casa, o Rohit explicou-me que aquele crematorio funciona sem parar, 24h por dia e 365 dias por ano, ha' centenas e centenas de anos. Que se acredita que o Shiva mora ali e que sussurra ao ouvido de quem ali e' cremado um manta secreto que da' acesso 'a imortalidade.

06:22
Varanasi (antes chamada Benares) e' famosa por ser o sitio onde os hindus desejam vir morrer. Varanasi e' banhada pelo Ganges, o rio sagrado dos hindus. O melhor que pode acontecer a um hindu e' ser cremado e ter as suas cinzas espalhadas neste rio. A principal atraccao de Varanasi sao os famosos Ghats, ou seja, os palacios junto ao Ganges. Todos estes palacios tem escadas que vao dar ao rio e nas quais diariamente milhares de hindus se banham nas suas aguas. Tomam banho independentemente do facto de a agua estar tao poluida que praticamente nao tem vida porque o oxigenio ja' nao se consegue dissolver nela. Independentemente tambem do facto de volta nao volta passar um corpo humano a boiar - o corpo de alguem tao pobre que nao teve dinheiro suficiente para ser cremado.

Varanasi e' tambem famosa por conseguir ser bastante insuportavel para os turistas. Junto aos Ghats somos constantemente importunados por criancas e adultos que, incansaveis, nos tentam vender coisas. O mais frequente sao as criancas de 4 e 5 anos a vender florzinhas amarelas para lancarmos ao Ganges. No outro dia um rapaz apareceu-me com montes de passaros em gaiolas a dizer-me que eu posso comprar um e liberta-lo porque e' bom para o meu karma. Um dos passaros metia pena pois tentava freneticamente libertar-se tendo ja' o bico completamente ferido de tanto investir em vao contra a rede da gaiola. Perguntei-lhe se ele nao estava preocupado com o karma dele visto o passaro estar a sofrer tanto. Ele disse impavido que nao porque nao era ele que apanhava os passaros. E la' ficou uns 10 minutos a tentar convencer-me a salvar um dos passaros. Mandei-o embora.

Os Ghats sao na verdade palacios que pertencem ou pertenceram aos majaras e outras gentes famosas. Embora velhos e deteriorados, alguns deles sao bastante majestosos. E sao muitos. Muitos mesmo. Extende-se por mais de 15Km quase sem intervalo. A costa do Ganges lembra Veneza, de alguma forma.

06:06
Varanasi. Ora bem, Varanasi. Em primeiro lugar e acima de tudo foi uma grande alegria tornar a estar com o Rohit e conhecer a sua familia. Sao ambos musicos. O Rohit toca tabla a Anita canta. Musica classica indiana. Ainda nao tem filhos, mas a casa deles esta' sempre cheia de criancas. O Mani tem 10 anos e estuda tabla ha' 2 anos com o Rohit. Todos os dias vai la' para casa e fica pelo menos duas horas a tocar ininterruptamente. Se continuar assim dentro de 10 anos sera' um grande musico. E' delicioso ver o amor dele pela tabla e ve-lo ali tao concentrado todos os dias. A casa deles e' muito confortavel e tenho um quarto enorme so' para mim. Temos agua quente e tudo, que e' feita metendo uma resistencia electrica dentro de um balde de agua meia hora antes de ir tomar banho. A Anita cozinha muito bem e tenho aprendido a cozinhar pratos novos. Vivemos numa zona muito calma de Varanasi, afastada dos centros turisticos. Mas em 10 minutos um cycle-rickshaw leva-me la' por 10 rupias, ou seja, 20 centimos de euro. No dia 5 de Fevereiro voo para Kathmandu por isso vou ficar ao todo cerca de 10 dias em Varanasi.

2008-01-28
06:06
Rishikesh >>>>>>> Delhi >>>>>>> Varanasi

2008-01-25
23:55
Amanha de manha vou fazer 1000Km de comboio de Rishikesh ate' Varanasi, onde vou visitar o meu amigo Rohit. O Rohit toca tabla muito muito muito bem. Varanasi, tal como Rishikesh, fica nas margens do Ganges, e tal como Rishikesh, e' um lugar sagrado para os hindus.

07:42
Ganesha Hoje celebra-se o dia de Ganesha. E' uma das divindades mais importante da India e e' adorado por todos. Hoje fui assistir a uma cerimonia em sua homenagem ali no ashram onde costumo ir ouvir o Prembaba.

07:41
Dentro do ashram onde estou alojado ha' um pequeno templo. Nesse templo esta' um senhor. Quando digo esta' e' porque esta' mesmo. Durante esta semana passei por la' dezenas de vezes e estava la' sempre, estatico. 'As vezes sentado numa cadeira ca' fora, outras la' dentro sentado no chao, sempre impavido e a olhar em frente. Ele e' la'. Esta' tao presente que antes de por la' passar sinto a impressao antecipada de o ir ver, de ser certo que ele la' esta'. E os seus olhos, quando cruzam os meus, trespassam-me. Tem o olhar de alguem ou louco ou muito lucido, nao sei. Mas cheira-me que nao e' louco. Perturba-me. Quem e'? O que faz? Ha' quanto tempo esta' ali? E porque?

07:15
Por Rishikesh ser uma das zonas mais sagradas da India, em todo o lado se veem e ouvem rituais, tanto de dia como de noite. Sao constantes os canticos de mantras, sinos, tambores, sendo comum sobreporem-se uns aos outros num caos caracteristico desta re(li)giao. Ha' centenas e centenas de pequenos templos espalhados por todo o lado, dedicados a diferentes divindades hindus. Alguns deles tao pequenos que nem cabe ninguem la' dentro; outros maiores e compostos por varias salas. Ao final da tarde em varios deles ao mesmo tempo alguem toca um gongo durante varios minutos e o som destes varios gongos pode ouvir-se em todo o vale. Varias vezes a meio da noite ouvi ao longe uma voz solitaria cantando mantras em jeito de lengalenga com a ajuda de um altifalante. Aqui leva-se a vida a preceito. Ontem fui trocar dinheiro e o senhor da loja, que estava com um incenso aceso nas maos, pediu-me para esperar 3 minutos e andou pela sala a abencoar todos os seus cantos e recantos. As suas vidas desmultiplicam-se em tantos rituais que muitas vezes me confundo e deixo de saber se um simples gesto de alguem e' apenas isso ou algo mais. Tudo parece significar.

2008-01-24
14:21
Os meus planos iniciais ja' foram pelo cano. Cheguei a Delhi com a intencao de ficar la' apenas 1 ou 2 dias e voar directamente para o Nepal, ficar 2 semanas no Nepal e depois voar para Mumbai e passear um bocado pelo sul da India. Ao inves vim para norte, para os Himalaias. A seguir a Rishikesh pretendia ir para o Nepal. Mas inesperadamente recebi um mail do Rohit, um amigo meu indiano (meu professor de tabla) que andava a tentar contactar ha' 3 anos sem sucesso! Que alegria! E' claro que agora o vou visitar a Varanasi (que fica a cerca de 20 horas daqui de comboio). Entao o plano agora e' voltar a Delhi, talvez dar um salto a Agra para ver o Taj Mahal, ir para Varanasi, ficar la' uns tempos e depois voar de la' para o Nepal. Vamos ver.

2008-01-23
07:09
Livros. Eu gosto de livros. E na India ha' muitos e muito baratos. Principalmente os publicados na India. Em todo o lado se encontram livrarias muito boas e que enviam para qualquer morada no mundo usando um tipo de encomenda especial muito barato chamado "book post". Ha' 4 anos atras enviei mais de 30Kg de livros a partir de Dharamsala, boa parte deles a 2 e 3 euros. Este ano vai pelo mesmo caminho. O "book post" vai por mar e por isso demora 3-6 meses a chegar. Nao ha' pressa.

2008-01-22
06:16
Quando cheguei a Rishikesh vinha tao cansado da viagem que decidi tratar-me como um maraja'. Escolhi um quarto carissimo com uma vista fabulosa para o Ganges (7 euros por noite quando os normais sao 3 euros por noite), meti a roupa suja toda na lavandaria (1,5 euros), almocei uma masala vegetariana deliciosa (1 euro), a seguir recebi uma maravilhosa massagem ayurvedica de 90 minutos (6 euros) e depois fui para a cama e dormi 12 horas. Como se pode ver estou a ter uma vida de cao e a gastar um balurdio.

06:08
Dizem-me: viajar sozinho e' perigoso, corajoso, solitario, dificil, etc. Pois fiquem sabendo que devem haver poucos paises mais faceis de viajar do que a India: comboios para todo o lado; comida deliciosa; tudo a preco da chuva; mesmo se alguem nos engana os danos sao na ordem dos 5 euros; os indianos sao uma simpatia; os outros turistas tendem a ser pessoas interessantes e e' muito facil traver conhecimento com eles por isso so' estas sozinho se quiseres, e 'as vezes queres; nao e' preciso fazer grandes planos porque as coisas vao acontecendo, e estao sempre a acontecer; a diversidade de coisas para visitar e' impar no mundo; uma cultura riquissima, interessante e acolhedora; paisagens de sonho, desde os himalaias ate' 'as praias do sul; com sorte ainda te cruzas com um shaddu qualquer e atinges a iluminacao! Que mais se pode querer?

E na India acontece sempre tanta coisa que fico com a sensacao de que estou dentro de um daqueles jogos de estrategia em que se tem de tomar decisoes para ir avancando na aventura.

05:46
A vida dos hindus e' pautada por centenas de rituais diferentes. No outro dia estava a assistir ao ritual de adoracao do Ganges que acontece diariamente 'as 17h30 ali em Ram Jhula. Enquanto os hindus levavam a cabo os preceitos deles, nos os ocidentais fotografavamos. E ai percebi que esta nossa necessidade de registar tudo e' na verdade um ritual. Nao se trata apenas de um habito ou de um vicio. Fotografa-se por razoes metafisicas. Os rituais tradicionais acontecem no plano do Kairos (por oposicao ao Chronos) e tem como principal funcao recriar o que sempre foi para que continue a ser. Ora nao e' essa, de certa forma, a funcao de fotografar? Da mesma forma que um hindu sente desconforto se nao executar correctamente os seus rituais, nao sentimos nos tambem uma especie de vazio, uma sensacao de que falta algo, quando chegamos a um sitio especial e nao temos uma maquina fotografica para registar o momento? Fotografar e' um ritual do plano do Chronos.

Para quem nao sabe o que sao e nao tem paciencia para ler na wikipedia, Chronos e' o tempo cronologico, dito quantitativo, aquele por que nos regemos hoje em dia e que podemos ler nos relogios e nos calendarios. Kairos, pelo contrario, e' o tempo qualitativo, aquele por que se pautam as sociedades tradicionais e que dita quando e' "tempo de plantar", "tempo de ceifar", "tempo de celebrar", etc. Enquanto o Chronos e' linear, o Kairos e' de natureza circular e os rituais tradicionais servem exactamente para assegurar a continuidade dessa circularidade.

04:58
Moro mesmo junto ao Ganges, o rio sagrado dos hindus. Todo o hindu que se preze sonha morrer junto 'as suas margens. O Ganges aqui tem uma cor verde muito particular, assim a fugir para um tom verde-Ganges. A todo o momento ha' alguma cerimonia religiosa a acontecer nas suas margens. Eu proprio ja' la' fui largar um barquinho feito de folhas com flores e uma velinha em cima. Queria banhar-me nas suas aguas mas estou com uma valente constipacao por isso e' melhor evitar.

2008-01-21
09:06
Prembaba Mas o grande fenomeno em Rishikesh saos os gurus itinerantes. Neste momento estao ca' dois gurus ocidentais bastante famosos: a ShantiMayi que e' americana e o Prembaba que e' brasileiro. Atras deles vem dezenas e dezenas de disciplos e seguidores que se agregam diariamente para assistir aos seus satsangs, umas especies de palestras sobre a vida. Estes gurus sao famosos e admirados porque supostamente ja' alcancaram o estado de iluminacao, o que toda a gente por aqui anda a tentar.

Ja' fui assistir 3 vezes ao satsang do Prembaba. Muita gente que chega la' diz que sente imediatamente que ele e' iluminado e etc mas eu nao senti nada disso. Mas o Prembaba e' realmente um comunicador brilhante e aprende-se muito com ele. Felizmente conheci-o pessoalmente antes de visitar o seu site super piroso pois caso contario acho que nao teria metido os pes no satsang dele. A julgar pelo site aquilo parece uma seita manhosa qualquer para enganar pessoas carentes mas ao vivo fica-se com outra opiniao. Quer dizer, nao deixa de ser uma seita, mas parece uma seita boa. Gostei tanto do Prembaba que vou comprar uma fotografia dele. Tambem nao me importava de ter a foto da miuda brasileira que se senta ao lado dele e traduz o que ele diz para ingles. Neste momento ele esta' a dar uma aula de meditacao a que eu queria ir mas estous constipado e cheio de ranho e ia estar la' a assoar-me o tempo todo por isso decidi nao ir.

A Shantimayi tambem e' interessante mas, por razoes que nao vou discutir aqui e que nao sao necessariamente culpa dela, prefiro o Prembaba.

Embora estes gurus aceitem (e apreciem) donativos, os satsangs diarios deles estao abertos a toda a gente e ninguem e' obrigado a contribuir. Embora com tanto fervoroso seguidor, dinheiro e' coisa que nao lhes deve faltar.

Toda a minha vida tinha ouvido falar no fenomeno dos gurus na India. Finalmente tive oportunidade de o experimentar. Aconselho pois e' uma experiencia muito interessante. Espero que o Prembaba visite Portugal.

2008-01-20
08:54
Rishikesh e' considerado o centro do yoga na India. E' aqui que o Ganges - o famoso rio sagrado hindu - deixa os Himalaias e entra na planicie indiana. E aqui, ao contrario de em Varanasi, as suas aguas ainda nao estao sujas e e' (mais) seguro tomar banho. Em Rishikesh ficam uma serie de ashrams (escolas) entre as quais as dos famosos gurus Maharishi e Sivananda. Rishikesh ficou famoso quando os Beatles aqui vieram nos anos 60 para estarem com o guru Maharishi.

Quando aqui cheguei anteontem a minha primeira impressao foi negativa. Achei o sitio demasiado turistico. Tentei ficar no ashram do Sivananda que e' mais calmo e retirado mas para o conseguir teria de ter enviado uma carta com pelo menos um mes de antecedencia. Entao procurei outro sitios onde pudesse fazer um retiro de yoga mas todos me pareceram pouco serios. Entao, antes de me comecar a sentir desiludido, decidi abandonar ilusao. Uma vez abandonada a ilusao, deixou de ser possivel desiludir-me. Metanoia. Olhando para Rishikesh com novos olhos, ao fim do primeiro dia ja' tinha percebido que ia querer ficar aqui por uns tempos. Sendo realmente turistico, ainda assim tem uma onda especial, bastante semelhante 'a que encontrei em Dharamsala, onde mora o Dalai Lama, umas centenas de kilometros a norte de Rishikesh.

Ha' mais professores de yoga em Rishikesh do que roupa estendida em Alfama. Conversando com os varios turistas com que me vou cruzando aprendo a distinguir o trygo do joyo. E' como um daqueles jogos de estrategia no computador em que temos de perguntar coisas aos outros personagens para ir ganhando pontos e resolver puzzles para abrir portas e ir passando para novos niveis.

Quantos quer? Olhe, queria 3 de Ashtanga, 2 de Iyengar e meia duzia de Hata yoga se faz favor. E ja' agora de-me um desses saquinhos de Mantras e uma garrafinha de Pranayama.

Mas quem sou eu, turista, para exigir mais do que o yoga empacotado para turistas?

08:42
No dia 17 apanhei um comboio nocturno de Delhi para Rishikesh. A viagem durou cerca de 8 horas. Fui num daqueles lugares que se transformam em cama, que e' a opcao mais comum para viajar de comboio na India. Nao foi facil dormir e ao mesmo tempo tomar conta da mochilona e da mochilinha. E' uma asneira andar com duas mochilas. So' o fiz porque trazia muitas prendas para os meus amigos nepaleses e julgava que ia directo de Delhi para Kathmandu. Agora ando para aqui feito burro de carga com sacos 'as costas e ao peito. Um saco pequeno da' jeito para o dia-a-dia mas pra' proxima ja' sei: a mochila grande e um saco mole e leve que se possa arrumar dentro da mochila, que foi o que fiz ha' 4 anos.

Rishikesh
 ^
 ^
 ^
Delhi

08:40
Pergunta: A India enquanto pais funciona ou nao?
Interrogacao: A India enquanto pais funciona ou nao?
Questao: A India enquanto pais funciona ou nao?
Enigma: A India enquanto pais funciona ou nao?
Misterio: A India enquanto pais funciona ou nao?

2008-01-19
14:00
No transito, mesmo em situacoes exasperantes, ninguem se chateia. Berram, buzinam, mas nao se zangam. E' como se deixassem todos de ser humanos. Como se todos seguissem um algoritmo comum baseado numa heuristica que premeia criterios como "tempo e' dinheiro" e "salve-se quem puder" e assim todos respeitam o facto de todos se desrespeitarem. Ha' cumplicidade na crueldade.

13:32
Em Delhi ha' 4 tipos de transporte publico:

O metro. Ha' metro em Delhi. E' algo que nao cabia no meu imaginario mas agora que o vi terei de me habituar 'a sua existencia. Infelizmente nao o experimentei. A ver se ainda o experimento.

O autocarro. E' o leviatao da cidade. E pesca de arrastao. Sao constantes as noticias nos jornais sobre acidentes mortais envolvendo autocarros. Nao param por nada. Isto porque os condutores ganham 'a comissao e por isso lutam com unhas e dentes por cada passageiro. Lutas titanicas entre dois autocarros sao tambm comuns. Tambem nao experimentei.

O taxi. E' pratico e relativamente seguro mas demasiado caro (quer dizer, comparativamente). Por isso so' andei de taxi duas vezes. A primeira foi quando cheguei e a segundo quando tive de atravessar a cidade - que e' enorme - e nao tinha muito tempo.

O autorickshaw. No autorickshaw e' que esta' o ganho. Especie de triciclo demoniaco barato e que nos leva aonde quisermos de forma rapida e emocionante. So' aconselho que, antes de o usar, se perca o amor 'a vida, por forma a nao ir o tempo todo em panico. Num autorickshaw cruzamo-nos com a morte varias vezes por minuto. E' muito divertido se nao se pensar muito nisso.

O cyclerickshaw. O classico rickshaw: Uma bicicleta agarrada a uma especie de liteira com dois lugares. Ideal para pequenas distancias e muito barato. Ainda mais barato que o autorickshaw. Nas subidas custa um bocado ir ali sentado a ver o condutor matar-se de esforco para vencer a subida. Mas isso e', acho eu, por sermos educados a que o esforco fisico nao e' dignificante. Embora ande mais devagar, consegue ser quase tao emocionante como o autorickshaw. Basta experimentar dar uma volta num nas estreitas ruas de Old Delhi.

Juntar tudo, misturar bem e eis as ruas de Delhi. Tudo a buzinar o tempo todo, claro. A buzina aqui serve mais para avisar do que para refilar. Todos usam uma especie de sistema de orientacao semelhante ao sonar mas baseado no som das buzinas dos outros. A verdade e' que, melhor ou pior, la' vai funcionando.

11:41
Delhi esta' cheia de monumentos muculmanos. Nao tinha nocao que fosse tao grande e tao recente a influencia muculmana por aqui. Por todo o lado ha' mesquitas e mausoleus. Ao que parece o hinduismo nao constroi coisas tao grandes. Ha' mais templos mas mais pequeninos e com um ar menos monumental, menos arquitectonico. Os muculmanos governaram grandes partes da actual India desde o sec XVI ate' ao sec XVIII quando os ingleses tomaram o poder.

11:21
Vou num autorickshaw que voa nas horas da morte por entre o transito caotico de Delhi. Nao levo cinto, claro. Nao ha' cinto, claro. Perante as inumeras iminencias de acidente, sorrio impavido e penso "granda pedra". Passa por mim um taxi com 15 criancas enlatadas vestidas de uniforme escolar e acho pitoresco. Ha' poucas coisas piores do que usar duas medidas para julgar as coisas. Mas diagnostico esse problema em mim. Na India, para onde quer que olhe encontro coisas que consideraria indesejaveis no meu pais mas que constituem a dose diaria de substancia exotica com que me vou injectando.

2008-01-17
03:55
Desde que cheguei 'a India ha' 3 dias que ja' me tentaram enganar umas 20 vezes. Ser enganado na India e' tao normal que nao se pode levar a mal. O interessante e' que os esquemas sao tao elaborados e a conviccao dos vigaristas tal que, mesmo quando se sabe estar a levar tanga, nao e' facil nao acreditar.

O LonelyPlanet explica que os bilhetes de comboio se compram num sitio especial para turistas que fica no primeiro andar da estacao de comboios de New Delhi. E avisa sobre os vigaristas que me vao tentar convencer de que nao e' ali, que era mas que fechou ou que mudou para outro lado, de forma a levar-me para uma agencia de viagens "especial". Mal entrei na estacao (que e' um fascinante formigueiro com milhares de indianos em filas tentando comprar bilhetes) um homem com um ar autoritario pediu-me o bilhete e disse-me que sem bilhete nao podia entrar. Quando lhe disse que nao o tinha ele fez um ar de policia zangado e mandou-me segui-lo. Comecou a explicar-me que os bilhetes para turistas se compravam noutro predio ali ao lado e que dantes era aqui mas que fechou. Eu disse-lhe que mesmo assim queria ir visitar a estacao e no momento em que tentei afastar-me apareceu outro ainda mais zangado que me explicou que aquele senhor trabalhava ali e que eu tinha de lhe dar ouvidos. A conversa ainda durou uns 5 minutos e ja estavam aos berros comigo quando os abandonei 'a forca. Claro que eram vigaristas mas a verdade e' que por varias vezes, mesmo estando avisado, fiquei indeciso e estive quase a acreditar neles. Quando as pessoas discutem e' mais importante a conviccao com que dizem as coisas do que as coisas propriamente ditas.

03:53
Finalmente entendi a diferenca entre New Delhi e Old Delhi. E' mais ou menos como o nome indica. Mas so' vendo.

2008-01-16
19:10
Delhi esta' cheia de monumentos grandiosos do tempo dos Moghul, o imperio muculmano que governou a India do sec XVI ao sec XVIII. E aparentam estar todos bastante bem preservados. Infelizmente em quase todos pode ler-se coisas tipo "o tecto original estava coberto por ouro e prata" ou "o trono em ouro coberto de diamantes estava ali" ou "as duas cupulas agora de pedra estavam pintadas de azul" ou "aqui havia uma fonte com agua perfumada". Etc etc. Ou seja, os monumentos foram todos desluxificados. Nao e' que seja uma desilusao visita-los pois ainda assim sao incriveis, mas fico com uma curiosidade enorme de saber como seria realmente isto no tempo das vacas sagradas gordas.

19:10
Nunca tinha visto tanta poluicao como em Delhi. Digo visto porque a poluicao se ve. Delhi esta' dentro de uma nuvem cinzenta constante e por causa disso nao se ve nada ao longe pois as coisas mais distantes sao engolidas pelo cinzento. No final do dia, depois de andar de autorickshaw de um lado para o outro, a minha roupa cheira mal e o meu cabelo parece palha-de-aco. A minha amiga Priyanka que mora em Delhi e adora a cidade diz que esta' a considerar mudar para outro lado pois ja' nao aguenta a poluicao. Eu tambem me vou mudar. Apanho amanha um comboio para Rishikesh.

19:04
Quando eu disse que fazia frio em Delhi... exagerei. Estao cerca de 15-20C. Para mim basta meter uma camisola ligeira por cima da t-shirt. Mas os indianos, que estao habituados 'aquele bafo insuportavel, andam todos de gorro e cachecol.

2008-01-14
17:50
Hoje aterrei em Delhi, no norte da India. Claro que se romantiza sempre a chegada 'a India como um choque. Pois hoje nao houve choque nenhum, o que so' por si e' quase um choque. Eis porque: Em primeiro lugar, depois de uma directa, uma escala de 12 horas em Londres (com direito a Tate Modern) e uma viagem de 8 horas, quando aterrei estava mais cansado que as sapatilhas do Carlos Lopes e mais macerado que as axilas da Rosa Mota; Depois, para todos os efeitos em 2004 viajei por aqui durante 5 meses e por isso o facto de o taxista ter estado 20 vezes na eminencia de colisao nao me afectou; Finalmente, e para minha grande surpresa, faz frio em Delhi. Todas as viagens 'a India comecam no momento em que somos engolidos pela opressiva nuvem de humidade quente, tao caracteristica da India, que encharca a roupa e torna a respiracao dificil. Mas desta vez nada disso. Em pleno meio-dia tive de usar uma camisola.

Mas se isto te soa a desanimo e' porque tinhas a espectativa de eu ter a espectativa de um choque. Nada disso. Tive pelo contrario a inesperada surpresa de sentir o prazer de chegar a um sitio familiar e rever tudo o que me rodeia com uma alegre melancolia. Sinto tranquilidade. Inesperei isto.

Durante 2 ou 3 dias vou passear por Delhi que ainda nao conheco. Depois logo se ve. A minha ideia era voar directamente para o Nepal. Mas antes talvez va' a Agra visitar o Taj Mahal, talvez apanhe um comboio para norte e va' a Rishikesh passar uma ou duas semanas num ashram a fazer yoga ou meditacao, ou talvez visite Amritsar que e' a capital dos Sikhs onde fica o famoso templo dourado. Ou Varanasi? Logo se ve. Nas proximas 6 semanas sou livre.

2008-01-10
09:20
Domingo voo para a Índia e Nepal. Ficarei lá 6 semanas. Ainda não decidi o que vou fazer mas é certo que vou visitar a família nepalesa com quem vivi em 2004. Aqui uma foto da Mina, a minha "mãe" nepalesa, fazendo pó amarelo com a ajuda do pai do Hori. Ela ainda não sonha que eu dentro de uma semana lhe apareço em casa.

My nepali mother making saffron powder

08:25
No Palácio das Galveias está, até 3 de fevereiro, uma exposição de fotografia do Georges Rousse a não perder.

2007-12-21
07:45
Depois de duzentos demorados dias de degredo, debando daqui.

06:06
O meu amigo Matiss e o irmão construíram uma bazuca de batatas por menos de 5 euros usando apenas coisas compradas no supermercado. No outro dia fomos experimentá-la e foi um sucesso. É a loucura total. Infelizmente naquele dia esqueci-me da máquina de filmar por isso só tenho fotos. Mas ficam aqui links para vídeos de outros. Nesta foto dá para ver a batatinha a sair com uma granda bisga:

Firing the Potato Bazuka

Para os mais conscienciosos: claro que uma bazuca de batatas é um objecto extremamente perigoso e claro que estou profundamente arrependido e claro que não me diverti nada a disparar batatas no quintal da avó do Matiss e claro que passei o tempo todo a pensar "que horror! que horror! eu não devia estar a fazer isto" e claro que fiquei com um sentimento de culpa incomensurável que me atormentou durante dias a fio e claro que não vou revelar aqui as instruções de fabrico.

2007-12-19
07:28
Trago uma Boa Nova!

Como toda a gente sabe, o triciclo caducou. Nos dias que correm pedalar dá mau aspecto, e pai (ou mãe, mas isso é evidente) que se preze já substituiu o triciclo a pedais do filho (ou filha, mas isso é evidente) por uma miniatura de Porsche a motor que, embora insuportavelmente barulhenta, dá outro estatuto.

Mas, quando tudo parecia perdido, eis que surge, qual Dom Sebastião desanuviado, o triciclo SEM pedais. É verdade. Devido a um qualquer golpe de cinética, abana-se o guiador de um lado para o outro com as mãos (sem pedalar, portanto) e aquilo avança como se houvesse amanhã (se o chão for lisinho).

Claro que para as crianças é exactamente a mesma coisa. Mas a novidade fenomenal é que com isto os pais já não têm de se expor ao opróbrio de estar num jardim público com o filho a pedalar à frente de toda a gente. Não se pedala, abana-se. É melhor. Porque é novo. Além disso, como aguenta 120Kg, os progenitores relativamente normais também poderão fazer usufruto.

Vinde e vede, São Tomé: http://www.youtube.com/watch?v=WUQL2a9vTVE

Não se vê uma coisa assim desde o Hulla Hoop.

Este virtuoso meio de transporte "manual" chegou a Portugal pelas mãos (e não pelos pés) de uma amiga minha, a Maria, que tem uma loja nova ali em Campo de Ourique chamada Piolho Eléctrico. Se tens um filho, se o teu filho quer um triciclo, se tu por pejo não lho dás, se ao invés lhe deste ou darás um desses estúpidos carros eléctricos, e se te sentes mal com isso, não deixes de o levar à loja Piolho Eléctrico para ele ir lá experimentar abanar aquilo.

Disponível a partir de sábado. Mas a loja estará aberta no domingo e na segunda-feira.

Telefone: 213972370
Morada: Rua Almeida e Sousa 29B - Lisboa
Preço: 75 euros

2007-12-13
16:26
Tudo começou com um duche quente seguido de um duche frio. Depois do duche mandaram-me deitar dentro da sauna e lá fiquei durante uns minutos até que o sr. Eduards apareceu e me começou a fustigar com dois molhos de folhas de carvalho. Não, não era uma sauna gay e o que vos conto não é uma fantasia S&M. O sr. Eduards é um velhinho de 70 anos especialista em Banya, a sauna tradicional russa. Na sauna russa é costume outra pessoa bater-nos no corpo com molhos de folhas de diferentes plantas. Além das vergastadas ajudarem a melhorar a circulação, as plantas libertam substâncias benéficas para a saúde que, por o corpo estar quente e húmido, são absorvidas pela pele. Uma vez vergastado, atirou-me com um balde de água fria para cima, dei um berro de surpresa e saí da sauna para a sala onde fiquei a beber chá e a comer mel à colherada. Explicaram-me que o mel não deve ser misturado no chá pois quando aquecido perde muitas das suas qualidades.

Algum tempo depois fui de novo para a sauna. O processo repetiu-se, desta vez com a sauna bastante mais quente. O sr. Eduards colocou-me um aromático molho de folhas de carvalho à frente da cara para a proteger do calor e tornou a castigar-me com novos tipos de plantas. Findo o castigo, outro balde de água fria, outro berro inevitável e eis-me de volta à sala do chá e do mel. Após algum tempo a relaxar tornei e ser chamado. Pela terceira vez entrei na sauna - o ar cada vez mais quente - e pela terceira vez me deitei e fui chicoteado, varrido e salpicado por molhos de folhas com água quente seguida de água fria. A sauna, feita em madeira e com um ar antigo, espelhava a beleza confiante daquelas coisas que parecem não terem sido inventadas porque sempre foram assim. Depois do sempre inesperado balde de água fria, o sr. Eduards mandou-me desta vez deitar numa cama de madeira do lado de fora da sauna, tapou o meu corpo dos pés à cabeça com vários molhos de diversas plantas e cobriu-me com um lençol castanho. Depois despejou água quente por cima de mim e deixou-me ficar ali, deitado, durante 20 minutos, rodeado por uma nuvem aromática e sentindo o corpo ser impregnado da saúde morna que pingava de todos aqueles ramos.

De volta à sala, mais chá e mais mel. Embora tenha ido munido de alguns mantimentos por já saber que ia estar bastante tempo fechado na sauna, o mel era tão delicioso que me saciou e não comi nada do que trouxe. Por esta altura julguei o processo terminado. Mas não, encaminharam-me de novo para a sauna. Desta vez, em vez de me deitar, o sr. Eduards mandou-me sentar, deu-me um pote de mel para a mão e disse-me: espalha isso pelo corpo todo. Não foi preciso insistir; foi com prazer que me bezuntei por completo com aquela delícia. Uma vez bezuntado, fui novamente vergastado. Tentei preparar-me mentalmente para o balde de água fria mas não consegui e tornei a berrar. A sauna terminou e o meu corpo absorveu todos os vestígios de mel. Tinham passado duas horas. Agora só faltava a massagem.

A sala ao lado da sauna é um autêntico consultório onde Guido, o filho do sr. Eduards, me deu uma sova à moda antiga. Guido é massagista profissional e decidiu criar esta parceria com o pai porque, fiquei a saber, quando o corpo está quente, a massagem é muito mais eficaz. As duas horas de sauna tinham sido apenas os preliminares para a meia-hora de massagem. Maravilhoso. No dia seguinte, além de, graças ao mel derramado, a minha pele sedosa fazer inveja a muitos bebés, andei o dia todo que pareceu que tinha fumado não sei o quê.

Nota: no ramo que aparece na foto as folhas já estão secas. Mas as que se usam na sauna ainda estão verdes e frescas.

13:53
Porque seria agradável que acabassem com essa paranóia estúpida de embalar individualmente os palitos em sacos de plástico:

Petição contra a ASAE.... a favor dos produtos tradicionais portugueses.

12:57
Lisboa está na moda. Li no blog da Billy que está em segundo lugar numa lista do New York Times com 53 sítios que valem a pena visitar em 2008.

2007-12-09
21:40

2007-12-08
22:06
Projects by Nuno Godinho
Pronto.
Finalmente
tenho
um
site
para
apresentar
os
meus
projectos:

00:02
O MillenniumBCP envia-me periodicamente por e-mail uma newsletter que, embora nunca tenha lido, depreendo que fale de dinheiro. Esta newsletter é escrita em português e para portugueses mas, por alguma razão que me ultrapassa, quem a escreve tem o infeliz hábito de, volta não volta, meter os títulos em inglês. Não sei se é porque lhe parece que assim tem mais estilo ou se é porque acha que a língua portuguesa, tão limitada coitada, não lhe chega para descrever as ideias complexas que quer transmitir. Alguns exemplos:

  • What goes around comes around
  • Let us welcome DMIF
  • Home equity bias puzzle
  • Shaken, not stirred...
  • Value ou Growth? Novamente Growth!
  • Bull or Bear, Certificados para todas as ocasiões...
  • What is your flavour?
  • The "Holiday Effect", may be in holiday...
  • S&P 50: So far, so good...

Como se vê, tudo coisas impossíveis de escrever em português. Para quê dizer "até aqui tudo bem" quando se pode dizer "so far so good"? Tem logo outra dimensão. E "Let us welcome" também deixa a milhas o nosso reles e caduco "Dêmos as boas-vindas" que já não significa nada.

Até se podia tratar de uma jogada brilhante de marketing por parte do MillenniumBCP por saber que o público alvo disto são esses inúmeros jovens de sucesso que, de tão sofisticados, não conseguem evitar embelezar o seu discurso com tiradas anglo-saxónicas. Mas nesse caso não dariam calinadas como "The Holiday Effect may be in holiday". Concluo que se trata mesmo de um coitado qualquer que para lá está, a quem pagam para escrever isto e que ainda ninguém avisou que, se já é pindérico alguém falar assim, quando se trata de uma comunicação oficial de uma instituição como o MillenniumBCP, um disparate destes é inadmissível.

Patético.

O rei vai nu.

2007-12-01
12:24
Depois de, há uns dias atrás, ter digo mal da Volvo e ter sugerido que quem compra um Volvo arrepende-se, fui abordado por donos de Volvo indignados. Como contra factos não há argumentos, sinto-me na obrigação de dar o dito pelo não dito: ao que parece há pelo menos 2 proprietários de Volvos que estão satisfeitos. Espero que agora não comecem também a aparecer donos de suecas indignados.

2007-11-30
23:37
Encontrei isto no blog do Eduardo Pitta:

Valha-me Nossa Senhora.

17:50
No fim-de-semana passado fui a Berlim visitar o meu amigo Luís. Nunca lá tinha ido. É uma cidade muito interessante que, tal como Riga, acumula vários passados diferentes que se entremeiam mas quase não se conhecem entre si.

O passado mais passado, o anterior à II Guerra Mundial, é composto pelos prédios que sobreviveram aos bombardeamentos e pelos monumentais museus colonialistas. Visitei o Museu Pergamon que aloja, entre outras coisas, um templo grego, uma fachada da cidade de Miletus e um dos portões da Babilónia. Um museu gigante, portanto. E como ainda assim não conseguiram que nele coubesse tudo o que roubaram aos turcos, egípcios e outros povos, o museu está a ser ampliado. O portão da Babilónia impressionou-me muito. Vi também noutro museu o busto da Nefertiti, essa grande braza, que me deixou estupefacto pela sua perfeição, beleza e estado de conservação.

O segundo passado, aquele que ainda anda tudo a tentar que deixe de estar presente é composto pelo muro e tudo o que lhe diz respeito, incluíndo os penteados foleiros das alemãs de Berlim oriental, e espantou-me. Embora tivesse consciência da dualidade de Berlim, não imaginava que ainda hoje as diferenças fossem tão marcantes. Vivem-se dois ambientes tão distintos que Berlim devia chamar-se Berlins. A memória desse passado recente em que um muro impedia um lado de chegar ao outro está ainda tão viva que é impossível não estar sempre consciente disso. O muro caiu, mas a cicatriz está à mostra. Se aquilo me fez confusão, imagino aos berlinenses.

Finalmente o terceiro passado vai desde que espatifaram o muro até hoje. Por um lado é feito de memoriais atrás de memoriais, rodeados por pedidos de desculpa e mais pedidos de desculpa e por outro lado compreende um conjunto de sub-culturas (cada uma com a sua banda-sonora) dentro das quais a juventude berlinense se tem vindo a arrumar. Berlim fervilha com cultura. Nos 3 dias que lá estive fui a 4 museus e a 4 concertos mas queria ter ido a muito mais, oferta não faltou. No entanto, segundo se diz, nem tudo são girassóis, e as tão elogiadas sub-culturas são chão que já deu uva. Os jovens, até há pouco tempo genuinamente alternativos, de tanto apurarem as caixinhas esteticamente herméticas de dentro das quais anunciam ao mundo as suas crenças, contentaram-se e, sem repararem, passaram apenas a pertencer à carneirada dos que não querem pertencer à carneirada. Em Berlim se não és punk és dread, se não és dread és gótico, se não és gótico és intelectual e se não és intelectual não és ninguém.

O presente de Berlim desatou a correr para o futuro. Principalmente em cima do muro, ou antes, no espaço que foi deixado livre por este e que estão agora a tentar atafulhar com sofisticados prédios de escritórios. Prédios daqueles eco-ilógicos que em todos os gabinetes têm 3 caixotes diferentes para reciclar o lixo mas que à noite deixam as luzes ligadas sem ninguém lá dentro durante horas a fio só porque a fachada fica mais bonita a reluzir.

Em resumo, adorei e quero lá voltar.

E agora, umas fotos.

Em Berlim até os objectos pertencem a uma seita. Há de tudo: punk, gótico, intelectual, geek, dread, etc. Aqui está uma câmara de vigilância punk:

Punk's Not Dead

Um paisagem subterrânea de Berlim:

Lemonchtenberg

Já estou farto destas fotos de prédios tortos. Não sei porque é que insisto. Pára Nuno! Esta é a torre da televisão e pertencia a Berlim Oriental. Hoje é dos dois e dá imenso jeito para as pessoas não se perderem porque fica mesmo no centro e com os seus 368m de altura vê-se de todo o lado:

Berlin TV Tower

Cerveja morta:

Beer skeleton

2007-11-23
17:29
«Em todas as conversas que tínhamos insistia muito comigo e perguntava-me: "O que queres dizer com isso? Onde é que leste?" Isto imunizou-me contra o marxismo.» diz Vasco Pulido Valente sobre o avô em entrevista ao Expresso em 17-11-2007

2007-11-21
21:56
F990032

Em Março deste ano publiquei no suplemento Fugas do Público uma reportagem contando como fui enganado em Caxemira. História tão recambolesca e inverosímil que na altura em que aconteceu nem a consegui contar no blog. Mais tarde, com a preciosa ajuda do meu amigo João Macdonald, acabei por a conseguir alinhavar, tendo-a publicado juntamente com umas fotos que (de) lá tirei. Quando foi publicada não avisei ninguém porque ninguém me avisou: a publicação foi tão à pressa que eu próprio só soube que tinha acontecido passados alguns dias e tive de ir à loja do Público para conseguir obter a edição passada. Enfim. Entretanto andava para a disponibilizar aqui há uma série de meses. É hoje. Está aqui o link para o texto no Scribd. Mas no Scribd está só o texto por isso quem quiser ver fotos pode espreitar este álbum do qual foram retiradas as cerca de 10 fotos que acompanharam a reportagem.

2007-11-20
23:08
Venho repôr a verdade. Ao que parece, a Suécia tem talento para ludibriar o mundo. Primeiro foi a Volvo. Toda a gente está convencida de que ter um Volvo é o máximo. Mas basta falar com qualquer dono de um Volvo para o ouvir roga-lhe pragas. E no entanto, o mito persiste. Ora passa-se o mesmo com as mulheres suecas. Nós, homens portugueses, radicados no universo do pecado original, atravessámos o deserto em adolescentes para tentar explicar às mulheres portuguesas que na Bíblia é a Eva quem dá a maçã a trincar ao Adão. Não bastando, crescemos obcecados com a ideia de que na Suécia anda tudo nu e aos trambolhões. Metonímia para lá, metonímia para cá e em dois tempos as Suecas ganharam o estatuto de mulheres de sonho (principalmente no plural tipo "... e então apareceram duas suecas e..."). Mas eu estive lá e sinto-me na obrigação de desmascarar essa farsa. De facto algumas até têm uns olhos bonitos e tal. Mas vão de botas de montanha para as discotecas. É certo que estou mal habituado e que aqui na Letónia qualquer coisa com menos de 12cm é reservado para tomar duche no parque de campismo. Mas saírem à noite ataviadas com North Face é exagero. Há limites. E o frio não é desculpa.

22:36
Beautiful Stockholm

Há uma semana atrás fui passar o fim-de-semana em Estocolmo e esta é a única foto que não tenho vergonha de mostrar. Das restantes nada se aproveita. Mas eu aproveitei.

Estocolmo é uma cidade linda, com muita qualidade de vida (mede-se em que unidade isto?) e que, ao contrário de Lisboa, está virada para a água. Tanto a presença da água como os vários parques naturais que coexistem com o centro da cidade - onde se pode facilmente ir passear ou fazer desporto - contribuem para criar um ambiente muito especial, calmo e apetecível. Não fosse o frio...

O ponto alto do meu fim-de-semana foi sem dúvida a visita ao Museu Vasa. Dentro desse museu está um barco chamado Vasa e que é do tamanho do museu. É um navio de guerra do século XVII, é único no mundo e tem uma história muito cómica: quando foi construído era o maior barco de guerra da altura e foi um projecto megalómano em homenagem ao orgulhoso Gustavo Adolfo, rei da Suécia. Mas afundou-se poucos minutos depois de zarpar pela primeira vez. Um real vexame que teve a virtude de permitir criar este museu imperdível.

Sobre os suecos pouco aprendi que não soubesse já. Que são uns gajos complicados mas que ainda assim não páram nos sinais vermelhos dos peões quando atravessam a rua a pé, algo que é de louvar e que parece não estar ao alcance dos seus vizinhos noruegueses e finlandeses. E mais não sei porque não tive tempo e porque fiz CouchSurfing em casa do Jakob, que é de origem argentina e por isso, embora viva na Suécia há muitos anos e fale sueco na perfeição, não é very typical.

2007-11-13
13:35
Conselho Informático Número Dois

Tenho uma série de amigos gestores, advogados, marketeers, programadores, etc. que trabalham em empresas muito dinâmicas e competitivas, que dizem ser muito ocupados e que têm sempre imenso trabalho. Dedicaram vários anos da sua vida a um curso superior para se especializarem numa determinada área e alguns deles já fizeram o esforço adicional de tirar pós-graduações para terem mais qualificações e conseguirem fazer mais coisas melhor e mais depressa. Mas a maior parte deles usa 2 dedos para teclar no computador. Acumularam durante anos imensas capacidades que é suposto torná-los ultra-eficientes, e depois usam 2 dedos para as teclar. A única razão que faz com que isto seja admissível e não passem uma grande vergonha é simples: os seus chefes e os chefes deles também teclam com 2 dedos. É certo que já há muito tempo que a dactilografia se devia ter tornado cadeira obrigatória desde a primária. Afinal, na 1ª classe ensinam-nos a escrever com uma caneta e hoje já quase a trocámos pelo teclado. Mas o atraso do ensino oficial não é desculpa para que milhares de eficientes trabalhadores passem o dia a olhar para o teclado para ver se acertam nas teclas certas com ambos os seus dedos escritores.

Embora uma grande percentagem das pessoas use um computador para fazer a maior parte do seu trabalho, a dactilografia por toque (touch typing em inglês) parece continuar a ser uma arte esotérica apenas acessível a essa sociedade secreta que são as secretárias. Dactilografar por toque significa dactilografar sem ter de olhar para o teclado e tem duas vantagens, ambas relacionadas com a velocidade a que se consegue escrever. Não só permite utilizar 10 dedos em vez de 2 como, uma vez que não é preciso olhar para o teclado, pode olhar-se o tempo todo para o ecrã detectando assim quaisquer erros que se façam. Aprender dactilografia por toque é mais simples e mais rápido do que parece e além disso é divertido.

Os Excelentíssimos Senhores Doutores Engenheiros e quejandos que depois de lerem isto se sentirem envergonhados encontram aqui um curso grátis online (que está em português e tudo) e encontram aqui um jogo online em inglês. Mas há um monte deles, basta procurar. E vão descobrir que, se seguirem as lições e praticarem uns minutinhos por dia, em poucas semanas o vosso dia de trabalho vai esticar uma ou duas horas.

Vá pelos seus dedos.

2007-11-08
07:58
Artigo muito interessante sobre luxo, status e consumismo: Status for Sale.

2007-11-05
08:19
A comida na Letónia é tão má que até a fast-food, que é igualmente má em todo o lado, aqui consegue ser ainda pior.

08:07
Os restaurantes tipo Kentucky Fried Chicken deviam evitar fazer publicidade em outdoors ou na televisão em que mostrem imagens da comida que serve. Deviam limitar-se à rádio e a panfletos só com texto. Não há coisa com ar mais cancerígeno que aqueles nacos fritos que parecem mais acidentes culinários do que comida. Mostrando fotos impedem que nos esqueçamos e que vamos lá novamente. Há agora aqui um na Letónia que, em vez de disfarçar, os mostra ostensivamente em tudo o que é paragem de autocarro.